terça-feira, junho 26, 2007

Para não transbordar



Para não transbordar em ruínas
Vou cravar no fundo da alma
O canto doce do sabiá
E me lançar no ar
Que sustenta meu mundo.
Travo portas,
Abro janelas.
Tenho medo do fosso de mim mesmo...
É tudo muito escuro.
Mas desço!
Acho que de lá conseguirei ver do alto
Os refluxos da maré alta
Que teima me sufocar,
Mas nado.
Eu sei que tenho a areia
Para me deitar.

segunda-feira, junho 18, 2007

Flor de Lótus



Não durmo meu sonho
Para não o ter
De acordá-lo pesadelo.
Não sei o que me espera
Do outro lado da janela.
Mas não tenho medo de abri-la.
Talvez vacile...
Tudo é tão possível.
Até meu ar petrifica
Diante das incertezas
Do que está em mim tão profundo.
Eu nado,
Coloco-me na parede do precipício
No meio do lago escuro,
E me acordo trancafiado
Num cubículo branco.
Solto-me e começo o vôo.
De início me percebo gaivota
A cruzar mares,
Logo depois andorinha
Anunciando verões.
Estranho!
Sinto a sensação
De que estou semente
Arrebentando-me fruto.
Silêncio!
Despertei-me flor de lótus.

sábado, junho 09, 2007

Em tela



Eu me faço em tela.
Colorido
Azul, lilás, carmim...
O pincel corre meu corpo
Acentuando com profundidade
Cada tom de minha voz.
Às vezes me mancho,
Mas logo me refaço no traço
Firme da cor.
Tenho alma no preto,
No branco, no amarelo de toda narrativa
Vivida e por viver.
A cada medida da tela
Uma gota de tinta
Assinala uma paisagem
De sonhos,
De desejos,
De ventura.
Pigmento-me
Nas impressões,
Nas expressões,
Nas abstrações
De toda temporalidade.
Sou aquarela
Em dias de primavera,
Sou acrílica
Em dias de verão,
Sou óleo
Em dias de inverno.
No outono,
O carvão do desenho
Sobre papel
Que marca um trajeto.

terça-feira, junho 05, 2007

Máscara



Pediram-me uma máscara
Então fiz um escalpe do meu rosto
E me dei por inteiro
A navalha do mundo.
Assim Medusa se petrificou
Diante de meu rosto despido.
De quem ora é o reflexo que me resta?
De meus pesadelos fantasmático?
Não sei.
Creio que o mundo me dirá se de ouro ou de prata
Minha máscara.
Mas creio que de madeira
Da qual me cubro e durmo eterno meu corpo.
Faço-me uma máscara,
Não disfarço o véu de minha humanidade.
Nego-me,
Mutilo-me...
Tudo é sem ser,
Tudo está...
Em que lugar?
Fugaz.
Embaraço-me nas teias do demiurgo
E costuro-me em possibilidades.

segunda-feira, junho 04, 2007

Princípio



Uma faca corta-me a alma
Atirando-me nos entulhos do mundo.
- Se doeu?
Fiquei-me mutilado e vazio
Distante de meu ar,
De meu sopro de vida.
Se é história o corpo esquartejado,
É porque é muita a narrativa
De minha existência.
Trago agora minha alma no colo
E choro-lhe a despedida.
- Se lamento?
Talvez tenha frio,
Não, acho que sede.
Sede de mim,
Sede dos eus,
Agora tenho um quadro que se pinta a sombra
Com o sangue do rio Letes
Conduzindo-me numa gôndola ao caos.
- É fim?
Não!
Pois, era uma vez...