sexta-feira, março 28, 2008

TELA DE PINTAR



Começo a desconfiar

de que tem pegadas demais no meu caminho.

Parece que a dança de Matisse

tem rodado demais na minha estrada

e já estou ficando tonto de tanto rodar.

Rodo a roda,

rodo o mundo e minhas cores desbotam na aguarrás.

Não sei se estou pesando muito no chão,

mas começo a desconfiar

de que tem lama demais no pântano

e apelo para que o lírio sorria ileso e branco,

ao menos alguma coisa verdadeira começo ver

dando certo na água podre.

Loucura, Van Gogh que o diga com suas pinceladas

na minha cara suja do piche do asfalto quente

que não nasce um girassol.

Gira, gira mundo,

Estou ficando tonto de tanto girar.

Pode ser labirintite a confusão na minha cabeça,

mas acredito que os becos, as vielas, as ruas cruzadas

não estão dizendo nada, nem onde chegar.

E gota a gota a torneira aberta

me joga a vida a fora

e me lambuzo no carmim

do pincel nervoso do artista

e me faço tela de pintar.

quinta-feira, março 27, 2008

EVIDÊNCIAS



Trago tantas vozes

na minha cabeça.

Antes que enlouqueça,

espero que me acendam as luzes

de todos os lugares

onde alcançam minhas mãos.

Não sei se toda razão

ao descer pelo ralo

provocará entupimento

das artérias de minha cidade.

Parece que as evidências

me fazem ver uma enchente

e tudo que acredito

ficou inundado dentro de mim.

quarta-feira, março 19, 2008

Humanidade



Como me dói ser esta minoria

espúria,

execrável,

escória

da terra que é lama a enlamear a branca seda

de todas as vestes que encobrem

a nudez,

a vergonha,

a pudica moral da imoralidade humana.

Quero me parir asno,

talvez eu me reconheça humano

carregando a humanidade em meu dorso.



Eu sou um aprendiz que está aprendendo a cavar poço. E para meu espanto, vejo que ele não tem fim. Quanto mais tenho a cavar, mais tenho a aprofundá-lo. De repente, descubro-me nele... profundamente nele.

ANTAGONISMO


A gente pensa que morrer é sentir dor,

Mas começo a achar que não é bem assim,


Há um equívoco.

Viver é sentir todas as dores

É trazê-las ameaçadoras sempre.

E desejamos tanto vida eterna!

Ao que me parece, estamos desejando dor eterna.

Antagônico e paradoxal tudo isto,

Mas é.



Um dia ela chegou silenciosa e me contou suas histórias. Eu ouvi atento e me deixei seduzir por seu encanto. Preparou-me sua teia para que eu confortavelmente me deitasse e dissesse as minhas dores. Alimentou-me, matou minha sede e partiu. Hoje me vejo aranha presa a todos os fios que ela me deixou como herdeiro. Não sei se condenado a sua sorte ou enredado pelo destino. Era uma vez...



Era um dia de muito sol quando resolvi atravessar a rua e conhecer o mundo. Nada se comparava a nada. Muito silêncio e desertos a minha frente. Dei alguns passos e cai na teia. E o mundo soltou a sua voz fazendo-me ouvir o que estava preso na minha garganta.



Eu pensava que era o único. Alucinada ilusão! Estava mais do preso a múltiplos fios que se alongavam de mim. E vi que eu era apenas uma parte da cadeia cósmica. Decepção? Não. Apenas espanto de principiante.



Quando eu caí na rede, pensei que um dia eu fora livre. Contudo, comecei a perceber que minha liberdade estava na verdade presa a fios desalinhados, frágeis além da conta. Sentei-me ao seu lado e você me fisgou com seus fios. Em alguns momentos tentei reagir, mas você me segurou firme e me fez relaxar. Não adiantava lutar contra sua força. Eu teria que me dizer sim a você. E fui fio a fio atando-me a você e aprendendo a viver livre.



Estou descobrindo que minha natureza é triádica: Cloto, Láquesis, Átropos. Destino, ou fatalidade? Tudo que sei é que preparo o fio, estendo-o ao longe e finalizo-o. Trágico? Não sei, mas me perderia sem a narratividade.