segunda-feira, setembro 03, 2007

Sede



Sim!

sede, muita sede

Por certo a fonte não me basta,

justo por me encontrar

perfurado pelo tempo

que cobre minha face ferida

pelo sol cortante...

Nudez



Está faltando a coberta de minha alma.

Vejo-a nua de mim mesmo,

nua da carne

que se consome na terra,

nua no tempo

que a abandona.

Mãos



Minhas mãos já não se tocam,

pervertidamente elas se abandonam,

se deixam seduzir pelas asperezas

dos muros que separam os desejos.

Elas se deixam mudas,

não se bendizem.

Malditas,

batem-se perdidas

nas próprias dores de si mesmas.

Gotejando



Estou gotejando

gotículas perdidas ao longo do tempo.

Estou gotejando

os soluços,

os suspiros,

uns poderiam ser.

Estou gotejando

minha alma.

Não sei,

mas acho que começo a chover

tempestivamente as lembranças.

Passos


Ao longo do caminho
Meus passos vacilantes
Me fazem acordar firme
Na certeza de que não estou no vazio.
Estou abundante de mim mesmo
Estou transbordante do mundo que me realizo.

segunda-feira, julho 09, 2007

Minha casa



Sentado num banco de praça
Tive meu tempo nas mãos
E segurando-lhe firme
Passei a cozer minhas lembranças
Em tecido de fibra transparente.
Eu acho que minha casa se inundou de vento:
Minhas lembranças,
Minhas marcas,
Meus cantos...
Tudo conta uma história de mim.
Parto-me em pedaços,
Mas nada me impede de continuar inteiro
No tempo-espaço do que sou.
Minha casa, a guardo comigo;
Dela nunca me perco,
Pois, dentre tantas,
Valho-me da primeva.
Então:
Cá dentro tudo me aquece
Lá fora tudo agoniza
Cá dentro os anjos me seguram pelo colo
Lá fora a dor me contorce
Cá dentro vejo amor
Lá fora horror
O tempo está passando!
Uma luz suave me toca
Sopra-me um raio na alma
E diz: - Amor.
Meu corpo vira cristal
E começo partir cores

terça-feira, junho 26, 2007

Para não transbordar



Para não transbordar em ruínas
Vou cravar no fundo da alma
O canto doce do sabiá
E me lançar no ar
Que sustenta meu mundo.
Travo portas,
Abro janelas.
Tenho medo do fosso de mim mesmo...
É tudo muito escuro.
Mas desço!
Acho que de lá conseguirei ver do alto
Os refluxos da maré alta
Que teima me sufocar,
Mas nado.
Eu sei que tenho a areia
Para me deitar.

segunda-feira, junho 18, 2007

Flor de Lótus



Não durmo meu sonho
Para não o ter
De acordá-lo pesadelo.
Não sei o que me espera
Do outro lado da janela.
Mas não tenho medo de abri-la.
Talvez vacile...
Tudo é tão possível.
Até meu ar petrifica
Diante das incertezas
Do que está em mim tão profundo.
Eu nado,
Coloco-me na parede do precipício
No meio do lago escuro,
E me acordo trancafiado
Num cubículo branco.
Solto-me e começo o vôo.
De início me percebo gaivota
A cruzar mares,
Logo depois andorinha
Anunciando verões.
Estranho!
Sinto a sensação
De que estou semente
Arrebentando-me fruto.
Silêncio!
Despertei-me flor de lótus.

sábado, junho 09, 2007

Em tela



Eu me faço em tela.
Colorido
Azul, lilás, carmim...
O pincel corre meu corpo
Acentuando com profundidade
Cada tom de minha voz.
Às vezes me mancho,
Mas logo me refaço no traço
Firme da cor.
Tenho alma no preto,
No branco, no amarelo de toda narrativa
Vivida e por viver.
A cada medida da tela
Uma gota de tinta
Assinala uma paisagem
De sonhos,
De desejos,
De ventura.
Pigmento-me
Nas impressões,
Nas expressões,
Nas abstrações
De toda temporalidade.
Sou aquarela
Em dias de primavera,
Sou acrílica
Em dias de verão,
Sou óleo
Em dias de inverno.
No outono,
O carvão do desenho
Sobre papel
Que marca um trajeto.

terça-feira, junho 05, 2007

Máscara



Pediram-me uma máscara
Então fiz um escalpe do meu rosto
E me dei por inteiro
A navalha do mundo.
Assim Medusa se petrificou
Diante de meu rosto despido.
De quem ora é o reflexo que me resta?
De meus pesadelos fantasmático?
Não sei.
Creio que o mundo me dirá se de ouro ou de prata
Minha máscara.
Mas creio que de madeira
Da qual me cubro e durmo eterno meu corpo.
Faço-me uma máscara,
Não disfarço o véu de minha humanidade.
Nego-me,
Mutilo-me...
Tudo é sem ser,
Tudo está...
Em que lugar?
Fugaz.
Embaraço-me nas teias do demiurgo
E costuro-me em possibilidades.

segunda-feira, junho 04, 2007

Princípio



Uma faca corta-me a alma
Atirando-me nos entulhos do mundo.
- Se doeu?
Fiquei-me mutilado e vazio
Distante de meu ar,
De meu sopro de vida.
Se é história o corpo esquartejado,
É porque é muita a narrativa
De minha existência.
Trago agora minha alma no colo
E choro-lhe a despedida.
- Se lamento?
Talvez tenha frio,
Não, acho que sede.
Sede de mim,
Sede dos eus,
Agora tenho um quadro que se pinta a sombra
Com o sangue do rio Letes
Conduzindo-me numa gôndola ao caos.
- É fim?
Não!
Pois, era uma vez...

quinta-feira, maio 31, 2007

Meu livro

(The librarian - Arcimboldo)



Eu estou me riscando
Como um livro.
Ou talvez o seja
Completamente pautado
Pelas linhas das palavras
Que se insinuam dentro de mim.
Tenho o tempo guardado
Tento não envelhecer com ele,
Mas confesso,
Estou eterno nas frases que se estendem
Ao longo de cada página amarelada,
Marcada,
Assinalada
Pelas palavras vivas
Que correm por entre as fibras do meu papel.

Às vezes me borro por conta da lágrima
Que cai da mão que me segura.
Outras vezes sorrio,
Outras, indiferente.
Eu sei todas as coisas,
Mas sei que nunca tudo saberei.













Ar



Se me perco no vento
É porque sou ar
Se me sopro na poeira
É porque sou ar.
Eu sacudo as asas dos pássaros
Que se inundam dentro de mim.
Eu levito nas nuvens macias que me invadem.
Eu respiro em vida,
Eu aspiro em morte.

(Air - Arcimboldo)

quarta-feira, maio 30, 2007

Meu inverno

Eu rompi com a primavera,
fiz com suas flores meu veneno
e me deitei na eternidade
de meus invernos.
Não sei se ainda tenho o perfume
das ditas flores,
e talvez tenha ficado acre
na passagem do outono,
mas juro...
tenho espinhos cravados no peito.

(Winter - Arcimboldo)

Fogo




Sou do tempo
Sem tempo.
Do princípio incido
Eterno.
Estou na noite,
Pertenço ao dia.
De mim, faz-se a vida
Por mim, a vida se vai.

(The Fire - Arcimboldo)

segunda-feira, maio 28, 2007

Minha história


Um passo na lama tenha sujado o branco brim
Puros leitos fingidos escritos em páginas brancas
Borradas pelos rabiscos desencontrados.
Desacertos trêmulos das escuras noites vazias
Aturdidos momentos de atropelos.
Esperas, escolhas, esféricas horas feridas que rolam ao longo tempo.
Cantos reversos em nota ré
Respiros, resvalos existenciais
Em turvas e tempestivas águas.
Água impura em busca de filtro
Para sua pureza tornar.
Eu sou pó,
A ele voltarei
E pelo vento levado,
Espalhado,
Terei ao princípio retornado.
Contudo, uma luz paira sobre meu espírito.

Eu


Um som abre minhas portas
Das paralelas e sinuosas estradas
Onde corro e me perco em labirínticas
Vielas turvadas pelas névoas frias
Dos infindos canais abissais.
Eu suo,
Eu rasgo o travo amargo do doce.
Eu cuspo a noite da lua nova,
Eu brado o corpo etéreo
Encarcerado na carapaça do tempo.
Eu traduzo o verbo silencioso
Que ensurdece meu ar.
Eu tenho asas que não voam
Mas voa minha sombra.
Meus pés calejam na plumagem
Suave das desconhecidas entranhas
De meu ego.
Eu vibro as notas dos acordes
Sinistros de uma efêmera existência.
Eu agonizo a alegria
Dos trânsitos congestionados.
Eu anseio por flutuar sobre as profundezas abismais da consciência.
Eu tenho febre de esperança substancial.
Eu sou um grão partido de um cometa
Enterrado na estrela cadente.
Eu me abro ao jugo das emoções todas
Cruzando portais virtuososDas filigranas venturas imponderáveis do alvorecer.

Conto



O tempo nos faz compreender a verdura da vida.
A perceber que o amor é maturidade da alma.
Talvez por isso aprendemos que respiramos
O ar novo do mundo velho e cansado de buscas.

Às vezes a solidão tenta fechar portas
Porque, as deixando abertas, tememos
A invasão da dor viva que corta
Ou, quem sabe, ela nos afoguem com suas lágrimas.

Não se saberá vivo o espírito que se aprisiona
Em seus tormentos e não se faz experimentar
Amante do deus que lhe chega estendendo-lhe a mão.

Um conto de mágicas energias se conta
Aquele que se confessa amor.
Assim, divinas horas tocam os sinos em aleluias e glórias.

Eclipse



A lua hoje comeu parte de meu sol.

Doeu!

mas uma lágrima me banhou a alma

e a tudo curou,

e tudo disse

ao silêncio mudo de minha solidão.

Lago



Pousei na janela
e me pus a mim banhar.
Não me refuto ao perigo
mas gozo no ar molhado.
Então vôo no compasso dos raios solares
que me sustentam.
Certa, só me são as águas
do lago que levita no espaço
de mim mesmo.

domingo, maio 27, 2007

Uma marca



Começo a compreender
Que para vencer o mundo de mim mesmo
Tenho que desatar os nós de me eu.
Se não me converto em mim
Jamais o soluço cessará.
Então me digo das verdades
Que só as tenho de minha imagem sofrível.
Se enganos ou certezas
O que consigo e devo ser
Sou eu.
Pois, de todo percurso existencial,
Se partido ou por inteiro,
Se a margem ou ao centro,
Só uma marca assinala: Minhas incompletudes

Enredamento



Acabo de ser enredado por mim mesmo
Minha tessitura me ata
Não desata o fio
Que me enovela.
Enlaço-me
E espero o tempo
Se esticar,
se alongar
no novelo de minha existência.

Palavra prenha

Estou prenhe de palavra
Acho que tenho de abortá-la,
mas, se o fizer,
terei o corpo vazio de minhas vozes.
A quem e o que gritar
se me tornar surdo de mim mesmo?
Então, continuarei parindo...

Terra



Gostaria de me fincar na terra como uma raiz
e acordar árvore,
mas se estou na superfície
é porque já nasci semente.
E um dia...
farei da terra meu cobertor
e adormecerei úmido
de vida.

Meu vício

Acho que o meu maior vício sou eu mesmo, pois estou sempre querendo me buscar, encontrar-me, explorar-me... às vezes Narciso me afoga em minhas próprias imagens escondidas nas sombras de mim mesmo. Começo a acreditar que estou me pertencendo demais. Mas, se não a mim, a quem me pertencer. Então, deito-me em meu peito e repouso.

Escrita

O que posso te escrever,
Se as palavras não funcionam
como indícios do que sentimos na alma.
Mas escrevo!
Escrevo a lágrima,
Escrevo o sorriso,
Escrevo os labirintos que percorro
a cada investida,
a cada contravenção,
a cada via estreita de mim mesmo...
Escrevo o sol,
Escrevo a lua,
Escrevo as horas de meus sonhos.
A pena escorrega,
a tinta me borra as mãos,
mas o papel outrora em branco
se manifesta em rabiscos
da minha vida.

Percurso

Recebi em bandeja de prata
uma porção de areia
que me serviste:
Meus pés vagaram ardentes
no frio asfalto de gelo
que construíste para meu translado.
Achei-me seco
e, transformado em papel,
Escreveste com meu sangue
uma palavra de fruto amargo:
- Adeus.

Trama



Hoje amanheci com sede de veneno,
Pego o cálice e o encho
Daquele que você um dia preparou para mim.
Vou tomando devagar,
Saboreando, degustando gota a gota...
Minha cabeça fica tonta
Tudo gira ao meu redor...
Tenho vontade de vomitar,
Mas recuo...
Um silêncio, uma brancura, um vazio...
A dor!
É apenas uma metáfora perdida na gaveta.
O que tenho agora é mais sede de veneno...
Acho que me viciei!
Você pode estar pensando que veneno
É palavra que pesa,
Mas não, o que realmente pesa
É a sua ignorância
Sobre minha alma.
Tudo para você parece às vezes um inchaço
Que mais parece que vai estourar.
Acredito que seja o veneno que arrotas
E te pesa a alma.

- He he he he...

Você deve estar pensando que meu riso
É louco,
Que deve ser o veneno
E ele, por certo, me lançou no abismo,
Ou melhor, no labirinto de minhas palavras embriagadas.
Pode ser!
Mas só para você...

- Você me pergunta: que sabor tem seu veneno?

Ora, é doce, pode acreditar,
Acredito que mel...
Não, é... sei lá!
Não importa,
O que importa é que estamos aqui
Loucos, amados, amassados...
- Te aplaudo e brindo com seu veneno,
Saúde eterna!
Enquanto durar nossas tramas de amar.

Urbana luz



A urbana imagem da verdade
Está nos olhos da alma ingênua.
Pode ser que ficando nu
Consiga ver o mundo
Da sua cor e do seu traço,
Porém minhas imagens vestidas
Me dão outra luz
Que não a da vela em chama,
Mas da lâmpada elétrica
Que acendes para mim.
Assim me torno estrela transparente
Brilhante no palco vazio.
Se jogares uma pedra na minha vitrine
Acho que acordo borboleta
E vou voar.

Morangos

Na minha infância, os morangos eram sonhos.
Sonhos disfarçados
nos doces de minha meninice.
Seu cheiro,
Seu sabor,
Tudo era especulação.
Hoje o morango me tem
Ele me dá seu doce-azedo
e me tem em sabores.
Morango,
morango carnudo,
morango cheio de suco
que sempre quero beber.

Eu minério



Estou me sentindo pedra.
Acho que se me atirares na água
Eu volte a ficar lama
E escoe por entre as rochas de toda dureza
E assim despenque com as águas das cataratas
Que possam surgir em meus olhos.
Não sei se me descobrindo mineral
Não venha me confundir com as areias do tempo.
Pensando bem, eu me percebo ferro,
Mas corro o risco de oxidar.
No fundo, o que eu sou é poeira
Soprada pelo vento
E dispersa pelo chão.

Meu retrato

A cada dia me descubro em cores:
Vermelhos, amarelos, azuis, verdes...
Sou todas as combinações do prisma,
Sou todos os tons,
Sou todas as nuances
De infinitos raios de luz.
Eu sou um espaço contornado pela linha
Limítrofe entre o dentro e o fora.
Sou cheio e vazio,
Sou sólido e líquido,
Sou volume e profundidade nas sombras onde me abrigo.
Eu sou o pingo nos is de minhas histórias
Pintadas em preto e branco.
Eu sou o ponto na reta que se alonga
De uma extremidade a outra de um tempo
Que se consome por entre as hachuras
De um desenho inacabado.

A chuva

Um dia me disseram que a chuva
É sinal de prosperidade,
O campo fica mais verde,
As flores mais coloridas e cheias de perfume.
O que me intriga é fazer chover dentro de mim
Com as lágrimas que não me fazem prosperar,
Não me fazem ficar mais verde,
Nem florir no jardim de meu coração.
O que sei é que a chuva de lágrimas
Que cai de minha alma
Só me inunda e, às vezes, até me faz
Ficar ilhado, ou desabrigado de mim mesmo.
Sinto até seu frio
Que me provoca o corpo molhado
A ponto de congelar.
Mas, uma coisa tenho de admitir:
Estou aprendendo, com as lágrimas,
A regar o mundo de mim mesmo
E esperar o sol secar-me os charcos das agruras,
E sentir frutificar-me doce de emoção.

Aos pássaros...

Aos pássaros perguntei
Onde se encontra a alma amiga.
E em canto magistral,
Responderam-me eles:
- Ela repousa nos campos verdes,
Cercada de flores perfumadas,
Que tal perfume se confunde
Ao da diva tão querida.
Aos pássaros perguntei
Se sorri a alma amiga.
E em canto harmonioso,
Disseram-me:
- Ela vibra de alegria a graça da vida.
Insistente, ainda pergunto aos pássaros:
O que sonha a alma amiga?
De súbito, responderam-me:
- Os seus sonhos são fontes de amor
A jorrar nos mares da vida.
Os seus sonhos são como o sol,
Reluzindo raios de felicidade
Nas manhãs de primavera.